14/01/2007

No divã do Jô


Esses dias, não recordo exatamente quando, tive um sonho bastante hilário e ambicioso. Ao dormir, altas horas da madrugada, vislumbrei-me em um divã, cujo psicanalista se constituía a imagem transfigurada do Dr. Freud, o Jô Soares.

Imagine o leitor: o Jô Soares!

Digo que o sonho fora espirituoso, não por conter situações cômicas, trágicas ou patológicas – pois, de fato, sequer lembro as passagens... Mas, porque desde o ocorrido, trago o desejo atrevido de me sentar numa certa cadeira..., que a chamo, afetuosamente, de divã, e deixar-me embalar, aos apelos dos olhos e dos ouvidos, ao som inebriante do Sexteto, as peripécias do Jô analista e aos olhares atenciosos da platéia – nem mesmo o Alex escapa de tais devaneios...

Como sonhar não é pecado e, talvez, um dos únicos direitos assegurados de um ser, possuidor de talento especial ou não, passei a imaginar tal situação. Tentarei narrar, aqui, as loucuras que fomentam minha fronte desde então.

Bem... acredito que todos, de alguma forma, sonham em um dia experimentar aos sabores do Jô: artistas, intelectuais, profissionais liberais, cientistas normais ou anormais... Enfim, toda uma gama de ismos almeja um dia, ou, melhor, noite, ter a oportunidade de passar pela lente e/ou pente do Dr. Jô Soares, e expor os pensamentos, convicções, sentimentos...

No meu caso, várias questões me tomam a mente: O que teria a dizer em seu programa? Falaria o quê, para quê e para quem? Ou, melhor, qual das minhas personas deveria mostrar-se no enleio? A poeta, a professora-pedagoga, a pesquisadora?

Assisto ao seu programa de entrevista desde a época do “Jô Onze e Meia”, e percebo que os entrevistados debatem sobre diversas situações, porém, sempre as voltas de um tema específico que se entrecruza com outras realidades. Desse modo, qual especificidade poderia, eu, tratar em seu divã?

Antes, quero deixar claro ao leitor que minha intenção, aqui, não é fazer uma suposta promoção, nem também fazer deste maluco relato, motivo de espanto ou indignação - apesar de que, se o leitor assim o quiser, poderá rir do calor de minha exposição. Como falei anteriormente mesmo os dementes têm direito aos sonhos. E, quanto a mim, nos sonhos posso tudo! Inclusive ter o Jô Soares como psicanalista freudiano!

Mas, para não perder de vista o ânimo nem a entrevista, voltemos à narrativa!...

Bem, depois de muito refletir sobre a minha suposta especificidade, pensei o seguinte: Falaria, ao Jô, sobre “lirismo”. De como o lirismo age na minha vida pessoal, literária, profissional. O lirismo, basicamente, se constitui o ponto “G” da minha questão, o elo comum a tantas polivalências, e forma, em mim, uma sincronia e unicidade.

Todavia, surge propriamente a indagação: A quem interessaria tal enunciação? Penso que aos artesãos da alma; aos que ainda sentem, dentro, vibrar um coração. Porque lirismo é o avesso do tédio, da coisificação, da pasmaria, da redundância... Lirismo é reticência, é insubordinação.

Nesse caso, tal ilustração seria lustre aos que desejam uma mudança essencial na educação, como quisera Cecília Meireles (1901-1964) ao pronunciar uma “Lírica Pedagógica” às crianças, cuja obra poética infantil une, simultaneamente, natureza lúdica e pragmatismo.

Sendo o lirismo o motivo da consulta no Jô, contar-lhe-ia o meu envolvimento com a poesia, desde a formação da parceria com o músico e compositor Marcus Vinícius até esses dias. Recitar-lhe-ia versos em alta dosagem de expressividade. Falar-lhe-ia dos meus livros lançados sem editora, entretanto, com apoio cultural do SESC-RN. Falar-lhe-ia dos estudos oferecidos aos educadores da rede pública de ensino sobre poesia e imaginário infantil, e a relevância dessa linguagem e do desenvolver dessa faculdade às crianças e às práticas pedagógicas.

Contar-lhe-ia sobre a minha pesquisa: O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles, no Mestrado em Educação (PPGED-UFRN/Natal), que conta com a preciosa orientação do Prof. Dr. Antônio Basílio N. T. de Menezes. E, sobre o meu abraço à causa nobre da poeta-pedagoga: a de levar à educação e à ciência pedagógica:


"[...] um sopro sentimental, que a aproxime da vida quando apenas começa; desse lirismo que os homens, com o correr do tempo, ou perdem, ou escondem, cautelosos e envergonhados, como se o nosso destino não fosse o sermos humanos, mas práticos" (MEIRELES, 1984, p. 30)[1].


[Mais...]

Como considero a cadeira do Jô um divã, falar-lhe-ia também da minha timidez – acho que resultante do excesso de lirismo... Todavia, brincar-lhe-ia: Sou tímida, porém falante! Entretanto, depois de pedir-lhe licença, solicitaria ao maestro Osmar uma música envolvente - quem sabe lírica?... - a fim de afastar o nervoso da estréia. E, ao Alex, um daqueles exuberantes coquetéis de fruta.

Ao Jô Soares, por fim, agradeceria a oportunidade e contar-lhe-ia, passo a passo, esse devaneio; que, aliás, de hilário só o vislumbre da cadeira do Jô como peça idílica do consultório do Dr. Freud!

E você, leitor, já se imaginou em tal situação? Pense nisso...


Nota:


[1] MEIRELES, Cecília. Problemas da literatura infantil. 3. ed. São Paulo: Summus, 1984.


Indicações de leitura:


A Lírica pedagógica de Cecília Meireles em 'Ou isto ou aquilo' (1964): instrução e divertimento. Artigo publicado em www.artigos.com/ Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/a-lirica-pedagogica-de-cecilia-meireles-em-%93ou-isto-ou-aquilo%94-%281964%29:-instrucao-e-divertimento-2056/artigo/


O Lirismo Pedagógico em Cecília Meireles: “Quem fica no chão não sobe nos ares”. Disponível em: http://www.artigos.com/artigos/humanas/educacao/o-lirismo-pedagogico-em-cecilia-meireles:-%93quem-fica-no-chao-nao-sobe-nos-ares%94...-2821/artigo/


"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)