06/05/2018

Um sinal de ainda

Sentiu-se petrificada, tamanha a aspereza das linhas. Entre a vitalidade do sentir e a palavra nua, desprovida de imagética e figuração, vigorava um abismo. A sensação de calafrio percorreu-lhe o corpo. Como é fugidia a vida; a paixão sob medida... Refletiu. Por outro lado, ele veio, aceitou-me o convite... Seria um sinal de ainda se importar? De ainda sentir? De ainda me amar? Indagava-se. Respirou profundamente, e não se permitiu abater, arriscando certa graça à interlocução. A tensão pouco a pouco foi sendo dissolvida, e as palavras pareciam ansiar as advinhas das horas. A essa altura, previu qual cuidado convinha. E foi-lhe paciente. Já se feriram tanto... Mesmo não havendo real ressentimento. O que havia era desejo, paixão; legítimo desvario. Mas não somente. Às vezes, lhe dedicava uma afeição tão terna, quase maternal... Não se devia condenar o ser amado pela rudeza das intempéries ou fugacidade dos momentos. Sentimentos não são reles. Defendem o que concebem ser correto... E eis a grandeza do amor, quando eterniza passos no descaminho de uma longa caminhada. 
         
"O sonhador, em seu devaneio, não consegue sonhar diante de um espelho que não seja profundo."

(Gaston Bachelard)